quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ana-crônica

O pai, cioso da virtude das filhas, sob a guarda de uma tia, permitiu que fossem ao baile no clube. A tia acreditava que o corte de cabelo à escovinha, quase máquina zero, dos meninos do Colégio Militar era garantia de masculinidade e certeza de casamento bem sucedido. Vista grossa se as via pulando o frevo de mãos dadas com algum. A única condição era passar na mesa a intervalos onde não houvesse tempo para mais que um beijinho, um amasso sem sair do salão.
Treze anos, e não achava graça nos meninos.
Saquinhos de filó cheios de confete e serpentina, fantasias, ele aparece. Muito, muito, muito mais velho que ela. Hoje seria chamado de tio. Olhou e estendeu a mão. Foi.
No meio dos foliões, abraçados, a cabeça repousada no peito dele. Sentiu que lhe cheirava os cabelos. E a cada quarto de hora batia o ponto na mesa da tia.
No primeiro cheiro no pescoço, o frio na espinha. Ele sorriu.
Ninguém falava. Fim de baile. Sem despedida. Não com palavras.
Dia seguinte, lá estavam outra vez, ela, a tia, as primas.
Tédio.
De repente uma mão. Quente. Um olhar, um sorriso. O cheiro nos cabelos, no pescoço.
Terça-feira gorda. Mal pisava o chão. Era o último dia e mesmo assim nada era dito, não se conversava. Circulavam pelo salão, mãos dadas, abraçados.
Hora de ir embora. Nem despedida, muito menos telefones.
Carnaval. Até hoje traz pressentimento de um roçar de rosto, um calor, um cheiro no cabelo, no pescoço, um arrepio. E a nostalgia do desejo por um beijo na boca que nunca aconteceu.

5 comentários:

Mehazael disse...

Oi, Gerusa, tudo bom?
É interessante como tudo o que tu escreve (ao menos é o que me parece) tem uma linguagem um tanto de poesia. Esse conto me parece muito poesia em prosa. O jeito como tu trabalha a linguagem é muito interessante (para mim, pelo menos). Por mais que eu tente, não consigo imprimir esse efeito (e tem partes que eu tento. E muito). Chega a ser frustrante :(
Mas prossiga, que enquanto isso eu vou aprendendo. hehehe
Bjs

Gerusa Leal disse...

Oi, Marcelo. É, parece que a alma é de poeta mesmo...rs De repente pode ser um dom, mas também pode ser uma maldição. Invisto muito em prosa de ficção e acabo escrevendo prosa poética...rs Aprendemos uns com os outros, Marcelo. Sempre.

Anônimo disse...

Adoro crônicas!

O nome do meu blogue vem dessa mesma idéia...

MARIAESCREVINHADORA disse...

Belo texto, Gerusa. Quanta diferença para o carnaval de hoje!

Gerusa Leal disse...

Pois é, Conceição, pois é.