segunda-feira, 8 de março de 2010

HISTÓRIAS POSSÍVEIS

Vale conferir HISTÓRIAS POSSÍVEIS edição 57
… Quando sentiu a tragédia, voltou a ser ele próprio, sentindo as forças esgotarem-se nos estertores da morte. Novamente é ele o observador, e observa a cena: as peras continuam na fruteira, no mesmo lugar a mesa e a toalha, as flores, a sala, ele e seus olhos. Tudo permanece, como sempre, apenas a mosca está morta e já não faz mais parte do ambiente. E, no entanto, nada mudou. Todo o conflito que viveu, todo o seu angustiante dividir-se, tudo é acabado. O mundo permanece, indiferente à sua morte, à sua queda. O seu pequeno mundo, feito de uma sala, de uma mesa e de uma fruteira cheia de peras, que continuam adormecidas, apodrecendo sua solidão e seu marasmo nas tardes quentes.
Silenciosamente, pé ante pé, como se cumprisse um ritual, ele se levanta e se aproxima da fruteira. Com a ponta dos dedos retira cuidadosamente o inseto, e sem uma sombra de qualquer sentimento no rosto, atira-o na cesta de lixo, seu último reduto.
Eu, pecador, absoluto em meu pecado, todo poderoso construtor dos meus desvarios, confesso-me a mim. E jogado sobre a poltrona, nestas tardes monótonas e quentes, pressinto e antecipo a queda da próxima mosca, e o ranger de dentes das peras, deixadas solitárias na fruteira.

[Willian Blake, do Livro “ O DEVORADOR DE PALAVRAS”. Trad. Desconhecido]

Dos colaboradores

Prezada Senhora Editora, André de Leones
Black is Beautiful, Daniela Mendes
Arrimo, Gerusa Leal
O silêncio dos cães, Leandro Resende
Fragmentos, Lúcia Bettencourt
Dois Senhores, Maurício de Melo

[Imagem: Jacob GREENLAND. Tiniteqilaaq. 2001. A boy does a somersault and lands in a deep pile of snow].

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