sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


EUTONIA - Revista de Literatura e Linguística

Nossa colaboração para edição do segundo semestre 2012 da Revista

Gerusa Leal

Mas hoje ainda não

Sempre chove no dia dos mortos
já são três horas da tarde
e hoje ainda não choveu.
O Captain! my Captain! Rise up and hear the bells.
Hear the sound of silence as well.
Sempre chove no dia dos mortos
mas hoje ainda não choveu.

No limiar do outro mundo
em fila eu vejo os meus
que antes de mim se encantaram.
O Captain! my Captain!
Sempre chove no dia dos mortos
e os olhos dos céus se nublaram
mas hoje ainda não choveu.

E se antes do fim do dia
a chuva me alcançar
não encontrará casa limpa
nem mesa posta também
e nada estará no lugar.

O Captain! my Captain!
que o poema encontre os versos
que dizem de aproveitar
o dia que já se finda.
Pois sempre chove no dia dos mortos
mas hoje não choveu ainda.



Ventos de inverno

Ser galho seco e quebradiço já no chão
o oscilar do ramo donde o pássaro levantou vôo
a rachadura na lama seca
pisoteada pelos passantes; ser o toque
a fome, o giro do mundo: nada
além do que fica quando cessa o som
da folha levada pelo vento.


A escuridão que fica após se consumir a vela por inteiro
mil não-entidades que se dispersam, nada
além do espaço que nunca se ocupou.

Ser o silvo, o zapt, o [ ]
que ainda não chegou e nem virá
mas inda assim mora no ventre
do futuro
ou de um passado que um dia se inventou.

Beber do cheiro do chá, do café, da sopa
do que mora além do olhar
da dor/desejo do ventre pelo orgasmo.

Ser horizonte, arco-íris, nuvem
Quimera, Grifo, Unicórnio.

Fazer de conta que é de carne e osso
mesmo sabendo que a mais leve brisa
mero roçar de desalento pela pele
basta para simplesmente deixar de
ser tempestade, tsunami, furacão
orvalho, anoitecência,
vibração de asas de uma borboleta colorida.

De concreto e aço sabendo
que os espaços vazios é que sustentam
toda a construção.

Acreditar em todos os deuses
tendo certeza de que não há nenhum
cometer tanta injustiça que de repente
o sentido do absurdo se revele.

Abandonar o sólido e o visível: passar.


Caçada

deu na tv, vocês viram?
os caras correndo lá embaixo
no morro aquele alvoroço, os gritos a debandada (e não foi legal?)

os caras de uniforme metendo a bala e o braço
cada passo um balaço (não é fenomenal?)

caçada de helicóptero na tua tv a cabo
discovery, discovery, igualzinho (tem que ver)

e todo mundo vibrou
e todo mundo aplaudiu
e todo mundo chorou

a classe média aos sorrisos foi ao céu, ao paraíso
tropa de elite, de vera, heroísmo pra valer
emoções fortes, entretenimento (sofrimento? qualé mermão?)

e todo mundo bebeu
e todo mundo fumou
e todo mundo comeu
e todo mundo trepou

eu-caçador-atirador-alvo
dependurado do helicóptero (um tiro na testa)
rojão na festa que ninguém previu (priiiuuu)

mas como se eu estava aqui tão protegido
atrás da tela da minha tv, do raio do computador?
(atrás das páginas tais dos tablóides da paróquia)

um furo no jornal, a bala (mas ó que merda)
com certeza, mesmo na testa, veio por trás
uma bala inteligente (perdida ou nada mais?)

http://www.revistaeutomia.com.br/v2/

Nenhum comentário: