terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cristhiano Aguiar algumas ideias sobre a Freeporto

Freeporto 2010 – A sexta

(Com Marcelino lendo Homo Erectus, conto a partir do qual escrevi o Fêmea Fóssil, que li em seguida, e que foi o 1º Prêmio Pierre Menard de Cover Literário - uma farra só. Abaixo, texto de Christiano Aguiar, na coluna Linguagem Guilhotina no blog NotaPe http://notape.com.br/cristhianoaguiar/?p=396#comments)

Quando cheguei na rua da Moeda, a programação da Freeporto já tinha começado lá no bar Burburinho. Mas não tem problema: como diz o ditado, se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé. A turma de poetas que tinha feito o recital no bar caminhava naquele momento pelas ruas do bairro. Assim que pisei na Moeda, eles chegaram: encontrá-los me animou bastante e me ajudou a entrar no clima da Freeporto. A poética, contudo, foi superada pela minha fome: antes de subir até a sede do Corpos Percussivos, local onde aconteceria parte da programação da noite, fui até o Paço Alfândega comer algo. Quando entro no Paço, me encontro com o Movimento Armorial.
No saguão do shopping, acontecia uma mostra em comemoração aos 40 anos do Armorial. Havia muita gente aglomerada para assistir ao concerto de um quarteto de cordas. Seria o Romançal? Não sei, porém estava presente o genial músico Antonio Madureira e foi um prazer ouvi-lo tocar com seus companheiros. Infelizmente, cheguei no final e só pude ouvir uma música e meia. Fiquei pensando que, nos anos 70, o Armorial tinha um pouco de Freeporto, no sentido de também ser um grupo de jovens artistas que buscava criar um espaço para dar mais visibilidade aos próprios trabalhos, através da movimentação cultural da cidade do Recife.
Voltei à rua. Em seguida, subi as escadas do Corpos Percussivos. No chão, as convidativas almofadas, o já consagrado Free-sofá e os painéis pintados por Raoni Assis. A composição do lugar, do evento como um todo, aliás, mistura um pouco de um clima meio rock and roll com uma profunda meticulosidade, no qual cada detalhe da produção está no seu devido lugar. O humor se fez presente: em qual outro evento haveria a “premiação” dos “vencedores” de um concurso chamado Pierre Menard, que premia o escritor menos original possível? O interesse que temos numa festa literária como essa surge daí, de se conseguir um equilíbrio entre o humor corrosivo e a interlocução entre autores e leitores.
A única coisa que eu criticaria é a própria retórica dos meninos do Urros, que às vezes são acometidos da síndrome do “nunca antes na história desse país”. Não é preciso justificar boas ideias com retórica contra um hipotético “classemedismo” ou contra “a mentira das festas literárias não serem festas”. Todo evento literário é festa sim, no sentido de ser ponto de encontro e troca de experiências. Claro, os escritores, editores, críticos e leitores não ficam pulando em suas mesas e cadeiras ao som de alguma música, mas é só lembrar que a própria etimologia da palavra “simpósio”, originada do grego, contém o sentido de comunhão, de festa, de beber junto. Trazer a questão de classe social para discutir os espaços nos quais a literatura circula é legítimo e necessário, mas creio que é preciso fazê-lo com mais reflexão. É bom lembrar que Recife tem uma tradição de ações culturais performativas/paródicas/transgressoras, paralela à outra mais conservadora e bolo-de-rolo, e a Freeporto nasce a partir da primeira vertente. Trazendo, claro, o seu próprio toque autoral.
Por isso gostei muito da mesa que aconteceu logo em seguida: uma conversa com Mario Prata e Marcelino Freire sobre Campos de Carvalho. Lembro do impacto de ter lido Campos pela primeira vez: o radical anti-humanismo de um livro como A lua vem da Ásia, por exemplo. Hoje releio Campos com menos prazer (creio que o melhor livro dele ainda é o seu último), porém acho bacana trazê-lo à tona aqui em Recife. Mas nem é o resgate deste escritor que me chama atenção, e sim que a mediação e as perguntas foram feitas por um leitor sem ligações com o jornalismo ou com a pesquisa universitária. E digo: essa mediação “amadora” foi excelente, pois em muitos eventos literários, a crítica é que se deixa de lado o texto literário nos debates. Aqui, pelo contrário, o leitor-mediador mostrava que tinha lido a obra de Campos e que possuía um interesse genuíno em conversar sobre o seu texto.
Terminadas as mesas, voltamos à rua para outro momento hilário, a posse dos senadores da Nova Bulgária, como ficou rebatizado o Recife Antigo. Havia um monte de gente bebendo na rua, bastante barulho e agitação. Fiquei me perguntando o que os desavisados estariam pensando, algo do tipo “mas que porra é essa?”. Essa súbita invasão nos planos pre-programados que criamos à nossa própria circulação nas cidades (exemplo: hoje encontrarei com Fulano, Sicrano, vamos ao bar Tal, beber cerveja e depois ir para casa) é uma das maiores virtudes das intervenções urbanas, reforçadas, nas últimas décadas, pelas mais diversas linguagens contemporâneas.
Pena que perdi o resto das performances e os shows, porque havia, ainda, outras noites dentro daquela. Terminei minha cerveja e peguei um táxi. Só voltaria a participar da Freeporto no domingo, em busca de algo raro: meus próprios leitores.

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