quinta-feira, 14 de julho de 2011

Entrevista ao NotaPE

Entrevista: Gerusa Leal



Gerusa Leal nasceu em Recife, Pernambuco, mora em Olinda e é autora de contos e poemas publicados nas coletâneas Contos de Oficina, organizadas pelo escritor Raimundo Carrero, Panorâmica do conto em Pernambuco, Anais da FLIPORTO, Haikais poemínimos senryus, Recife Conta o São João (pela Fundação de Cultura Cidade do Recife) e em alguns blogues literários. Conquistou premiação nos concursos Luís Jardim, com o conto “Por um triz”; Prefeitura de Cordeiro – RJ, com “Anacy”; Maximiano Campos, com “Os brincos prateados”; Fliporto com o poema “Momento”, e o prêmio Edmir Domingues de Poesia 2007 da Academia Pernambucana de Letras, com o livro de poemas Versilêncios.

por Thiago Pininga

Quais são os autores que mais influenciam na tua escrita e quais são as contribuições e/ou novidades deles, na sua opinião, para o desenvolvimento da Literatura de modo geral?

São tantos, Thiago. A gente vai assimilando autores ao logo de toda uma vida de leituras então não há muito como dissecar as influências já metabolizadas, que atuam a partir do inconsciente. Conscientemente, de uma penca, vou selecionar por serem os que agora me vêm à mente, Machado de Assis, Flaubert, Tchechov, Raimundo Carrero. Machado, por uma narrativa oblíqua e dissimulada, um narrador não confiável mas absurdamente convincente, que convida o leitor, a partir de marcações ou de técnicas mais sofisticadas, para participar da trama; Flaubert por narrar seletivamente a partir do ponto de vista do personagem, como tão bem disse Vargas Llosa em A Orgia Perpétua: “A grande contribuição técnica de Flaubert consiste em aproximar tanto o narrador onisciente do personagem que as fronteiras entre ambos se evaporam, em criar uma ambivalência na qual o leitor não sabe se aquilo que o narrador disse provém do relator invisível ou do próprio personagem que está monologando mentalmente.”; Tchechov pela eloquência dos silêncios narrativos. Como alguém já disse, não me lembro agora quem, a profundidade da alma das personagens não é descrita por meio de palavras, mas está por detrás dos diálogos, das cenas, dos cenários, dos pequenos detalhes narrativos, deixando o texto, que também rompe com a estrutura linear de começo, meio e fim, ‘em aberto’, dando espaço para que o leitor o complemente com suas próprias impressões; Raimundo Carrero principalmente pelo desenvolvimento do que ele batiza como ‘pulsação’ narrativa – do texto, do personagem, do leitor, onde a tradição e a subversão se unem, atendendo à função não de atingir a ‘perfeição’, a ‘correção’, mas a serviço da ‘pulsação’ que é única para cada texto, cada personagem, cada leitor.

 E com relação a tua produção de poemas?

Minha produção de poemas foi uma coisa assim sazonal, fui provocada por Márcia Maia a fazer uma oficina de quatro dias com Frederico Barbosa, depois me convidou a participar de um grupo pequeno de poetas daqui, do RJ, de São Paulo, de Vitória, e ali a gente exercitou, durante uns três anos, a criação de poemas provocados por uma imagem, uma frase, os poemas uns dos outros, espontaneamente. Após esses três anos, a mesma Márcia Maia me instigou a participar de um concurso na Fundação Cultural de João Pessoa e de outro na Academia Pernambucana de Letras, que aconteciam ao mesmo tempo. Tive que juntar tudo que eu tinha, pois o de J. Pessoa pedia um mínimo de 70, 80 páginas, não me lembro bem. Em João Pessoa, nem menção honrosa. Na APL, foi o prêmio de poesia do ano, isso em 2007. Animada com o retorno, entrei com um projeto no Sistema de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife, que foi selecionado, imprimi como edição do autor, lancei, divulguei, vendi. Toda essa coisa de publicar por conta própria me tomou tanto tempo e energia que acabei dando uma parada na produção. E de lá pra cá raramente tenho escrito um poema. Baixou uma autocrítica mais severa ainda do que antes de começar a escrevê-los. Não sei se, e quando, voltaria a me concentrar na produção de poemas. Voltei à prosa, que me dá muito mais trabalho, onde os resultados não tem sido tão gratificantes, mas que me dá muito mais prazer, é algo que tenho meio que como hobby, meio como cachaça, mas também, cada vez mais, mais focada na brincadeira de escrever que na preocupação em divulgar ou publicar, seja por que meios forem. Basta uma provocação pra me fazer escrever um conto. O diabo é o tempo que levo burilando…rs Mas passo sem escrever. Não passo mesmo é sem ler, pelo menos algumas páginas, um poema, por dia. Me faz bem.

Gerusa, você falou algo importante com relação a crítica. Como vê a produção de nossos críticos literários? Só existem no meio acadêmico ou círculos fechados? A Internet é um bom meio para discutir e analisar uma obra?

A pergunta é provocativa, Thiago, mas vou me ater ao que você julgou importante com relação a crítica. Falei de autocrítica. Autocrítica no sentido que dei à minha resposta anterior tem muito mais a ver com uma espécie de superego literário do que com qualquer crítica literária no sentido acadêmico. É muito mais uma espécie de autoexigência pautada pela bagagem acumulada de boas leituras. Não tenho, absolutamente, como opinar sobre a produção de críticos literários, notadamente os acadêmicos, já que minha formação acadêmica é em outra área, está para as bandas da psicologia. Como leitora, gosto quando leio um crítico que de fato leu a obra e que de fato consegue, mesmo se valendo de ferramentas adacêmicas e parâmetros externos, enxergar a obra de dentro, no que ela tem de singular, de próprio, a partir dela mesma, principalmente naquilo que ela tem de estrutural, de formal, de estético, sem descurar, claro, do conteúdo, da legibilidade. Mas não valorizo muito, como leitora, uma crítica que se foca demasiadamente apenas no conteúdo da obra, na história contada e, muito menos, naquela que se sustenta basicamente em cima da biografia do autor. Como pretensa escritora, acho que meu sonho de consumo seria o de uma crítica que, levados em conta os parametros acima, externos e interiores à obra, apontasse pontos fortes e fracos, e fizesse um balanço geral sobre a qualidade da obra. Balanço este que será, sempre, por mais parâmetros objetivos que se tenha, pessoal, subjetivo. Os críticos, meu amigo, existimos por toda parte. Nos criticamos e a todo mundo a cada instante. A crítica é uma atividade humana por excelência. A exteriorização dessa crítica é que precisa ser pensada. Porque é importante. Porque forma opinião. Porque, se o criticado tem mente aberta, tem muito a crescer com qualquer crítica, mesmo as incompetentes e/ou maldosas. E pensar não é prerrogativa do meio acadêmico; se pensa no meio acadêmico e fora dele. A internet é um meio como outro qualquer, com suas vantagens e desvantagens. Para mim tem a vantagem de me permitir ler ao invés de ouvir, já que sou muito visual, e surda de um ouvido, então ao ouvir sempre perco alguma coisa. E também porque nos permite ler e interagir, se for o caso, sobre a análise de uma obra, no tempo, no ritmo, no jeito de cada um. Acho válido como meio, pelo menos para quem não sofre de tecnofobia ou não acha que para salvar o mundo, mesmo que apenas o literário, precisemos voltar à idade da pedra. Até porque a caneta e o teclado são bem mais práticos que o martelo e o cinzel para materializarmos nossas ideias. Mas há quem discorde, até por questões de imperialismo econômico.

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