sexta-feira, 18 de maio de 2012

Coluna Trivial variado simples no NotaPE

 por Gerusa Leal

DESAFORO
Três noites maldormidas. Que inveja da liberdade, da irresponsabilidade, da frivolidade com que essa nojenta leva os dias. Faz o que quer. Ou não faz nada. Enche o saco. E ele ainda tendo que aturar. Essa vadia é que é feliz.
Feliz, eu? Sabe você o que é ser parido no lixão – no esterco?, precisar descolar o rango em restos e perebas?, ter que trepar nas horas mais quentes do dia e olhos arregalados eternidade adentro ser testemunha de tudo que não presta? Nem mesmo pisco – não sonho, não me iludo. Sabe o que é ter por sina disseminar a lepra, diarreia, tifo, disenteria e o escambau?, e ainda ter que ouvir que sou a chata – abusada – que perturbo o seu sono zumbindo e voando feito doida? É demais.
Eu sufocado nesse quartinho apertado e a debochada desenhando as mais mirabolantes coreografias na minha frente. Não sossega, a desgraçada. Filha da mãe: fica inventando danças, enchendo o mundo de crias. E eu aqui empacado.
Bem sei que o que te inspiro é desprezo. Acho incrível que haja no mundo babacas feito você – podendo dormir à vontade e comandar o viver – a varar a madrugada, brechando uma pobre mosca, ora tenha paciência.
Paciência bem que tenho. Mas como a de todo mundo a minha também acaba. Apanho o mata-moscas e começo a perseguir a pequena encrenqueira. Mas a danada é mesmo ágil. E como me desafia. Já dei porrada em tudo quanto é móvel. No ar, meia dúzia de vezes. Umas três no próprio corpo.
Quando ele senta, cansado, já desistindo da luta, pousa bem na sua frente, sobre a folha de papel. Demora-se alguns segundos, e então, dando uma rabiçaca, alça voo porta afora. Não sem antes defecar, no texto em que ele escrevia, bem claro e definitivo, um nítido ponto final.

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