Coluna Trivial variado simples no NotaPE
por Gerusa Leal
DESAFORO
Três noites maldormidas. Que inveja da liberdade, da
irresponsabilidade, da frivolidade com que essa nojenta leva os dias.
Faz o que quer. Ou não faz nada. Enche o saco. E ele ainda tendo que
aturar. Essa vadia é que é feliz.Feliz, eu? Sabe você o que é ser parido no lixão – no esterco?, precisar descolar o rango em restos e perebas?, ter que trepar nas horas mais quentes do dia e olhos arregalados eternidade adentro ser testemunha de tudo que não presta? Nem mesmo pisco – não sonho, não me iludo. Sabe o que é ter por sina disseminar a lepra, diarreia, tifo, disenteria e o escambau?, e ainda ter que ouvir que sou a chata – abusada – que perturbo o seu sono zumbindo e voando feito doida? É demais.
Eu sufocado nesse quartinho apertado e a debochada desenhando as mais mirabolantes coreografias na minha frente. Não sossega, a desgraçada. Filha da mãe: fica inventando danças, enchendo o mundo de crias. E eu aqui empacado.
Bem sei que o que te inspiro é desprezo. Acho incrível que haja no mundo babacas feito você – podendo dormir à vontade e comandar o viver – a varar a madrugada, brechando uma pobre mosca, ora tenha paciência.
Paciência bem que tenho. Mas como a de todo mundo a minha também acaba. Apanho o mata-moscas e começo a perseguir a pequena encrenqueira. Mas a danada é mesmo ágil. E como me desafia. Já dei porrada em tudo quanto é móvel. No ar, meia dúzia de vezes. Umas três no próprio corpo.
Quando ele senta, cansado, já desistindo da luta, pousa bem na sua frente, sobre a folha de papel. Demora-se alguns segundos, e então, dando uma rabiçaca, alça voo porta afora. Não sem antes defecar, no texto em que ele escrevia, bem claro e definitivo, um nítido ponto final.
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